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Lizha James é a única mulher do meu país que não merece ser feliz…



 Lizha James é a única mulher do meu país que não merece ser feliz…


A Lizha James esteve sempre sozinha quando o cancro arrastou o marido pelo estômago à cova. Esteve sozinha quando chorou pelo marido, quando enviou diversos postais de pedido de cura a Jesus Cristo e esteve sozinha quando amou o marido durante anos e anos. A Lizha James suportou sozinha as rendas pesadas do luto, a cama enorme sem o marido e as manhãs cheias de escamas de tristeza sem o “bom dia, amor”.


Perdeu o marido e continuou sozinha. E nós estávamos doutro lado lamentando o luto. Não sentimos, nem por um pingo, a insuportável dor de ser viúva e a de acordar numa casa preenchida por incensos cheirosos de lágrimas. Não vimos, nem um pouco, o esforço que a Lizha fez para tapar o enorme buraco de ausência na cama que sempre dividiu com o marido.


E nós ficámos tristes quando a Lizha acordava com um nevoeiro de lágrimas todos os dias! E hoje estamos tristes, porque a Lizha decidiu ser feliz, porque a Lizha decidiu dizer à viúva que um dia foi: “cansei de ti, mulher viúva: agora quero ser uma mulher feliz”.


Na verdade, todos queríamos ver a Lizha a apodrecer dentro do luto como milhares de viúvas do meu país, vivendo dentro do luto como um peixe no aquário e alimentando-se de migalhas de lamentações e algas de pena. Queríamos que a Lizha morresse, como tantas viúvas, debaixo do luto e com uma plaquinha bem escrita na testa: “aqui jaz uma viúva que é viva”.


As viúvas, no meu país, não têm direito à felicidade. Mas quando são os homens a suportar o luto, quando são os maridos que são apinhados de luto, em um ano surgem reuniões familiares, sacudidas nos ombros e zumbidos por todos os cantos: “é hora de pensar em ter uma nova mulher, amigo. A vida continua”. A única vida que não deve continuar é a das viúvas, porque elas, coitadinhas, são propriedades dos mortos.


A Lizha lutou com o marido contra o cancro, o amor ajudou nessa luta e nós, nessa altura, só lutávamos com o dicionário para compor lindas mensagens de solidariedade. E hoje, somos nós que lutamos contra a Lizha, pois no fundo sempre estivemos do lado do cancro. Na verdade, o cancro até foi sincero na luta: queria o marido da Lizha. E nós?


Ninguém aqui é capaz de ver as milhares de muletas que a Lizha tem no coração, ninguém é capaz de ver os mínimos cortes de tristeza que há no sorriso de Lizha, pois as mulheres do meu país morrem todos os dias quando tentam ser felizes. Ninguém é capaz de ver os restos do cancro que ficaram com a Lizha, porque ela é a única mulher do meu país que não merece ser feliz.


FONTE:Sérgio Raimundo - Militar

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